RIO – O Brasil possui atualmente, segundo dados da Agência Internacional
de Energia Atômica (AIEA) a sétima maior reserva de concentrado de
urânio do mundo, de 309 mil toneladas. Considerando as reservas ainda
não exploradas, o país tem potencial para alcançar a primeira posição
deste ranking nos próximos anos, de acordo com o novo presidente das
Indústrias Nucleares do Brasil (INB), Aquilino Senra, nomeado na semana
passada.
Formado em Física na Uerj, Senra fez mestrado e doutorado em Engenharia
Nuclear na UFRJ, onde estava lotado como vice-diretor da Coordenação de
Pós-Graduação em Engenharia (Coppe) e é considerado uma das principais
autoridades do país no assunto. Para que o Brasil avance, no entanto,
ele diz que é necessário não só ampliar a extração do minério,
atualmente restrita à mina de Caetité, na Bahia, mas também as outras
etapas do processo de beneficiamento até chegar ao combustível atômico
de fato.
— O Brasil tem um “pré-sal de urânio” por explorar, em termos de
potencial energético. Mas, assim como no pré-sal de petróleo, existe uma
diferença entre ter as reservas e elas serem de fato exploradas. Isso
exige recursos e tempo — pondera.
Segundo dados das INB, os investimentos necessários até 2020 são de R$
2,42 bilhões, sendo 64% (R$ 1,55 bilhões) destinados à fase do
enriquecimento do material, ou seja, a separação dos átomos de maior
potencial energético (U235) dos átomos comuns da substância (U238) por
meio de centrífugas.
Por que a mudança na diretoria das Indústrias Nucleares do Brasil?
A INB é uma empresa mista, vinculada ao Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação, e a mudança é normal. Em toda e qualquer empresa
se busca o aperfeiçoamento. Se houve outros motivos, não sei. A
diretoria é toda de técnicos especializados, “da casa”. O forasteiro sou
eu, mas tenho muito contato com o setor nuclear devido à minha
formação.
Como vê o quadro atual do setor no país?
Minério nós temos. O que precisamos é alocar recursos para atender à
demanda. Nós temos um pré-sal em termos de riqueza energética com as
reservas de urânio. Nesse quesito, o Brasil hoje está atrás de
Austrália, Cazaquistão, Rússia, África do Sul, Canadá e Estados Unidos.
Isso é o que tem prospectado. Mas, no caso do Brasil, apenas cerca de
25% do território nacional foi prospectado. A tendência é o Brasil ir
para o primeiro lugar dessa lista.
O que precisa ser feito para isso?
Uma coisa é ter as reservas, outra coisa é ser capaz de explorá-las. Com
o petróleo é assim, e com o urânio não será diferente. Tem o custo das
obras em si, fora o licenciamento ambiental.
O objetivo é abastecer apenas o mercado interno?
Os planos da China são de aumentar sua capacidade de produção de energia
nuclear de 7 giga-watts para 80 giga-watts em dez anos. Isso vai
demandar minério e serviços de beneficiamento de todo o mundo. Só que o
primeiro reator da Coreia do Sul, por exemplo, é “irmão gêmeo” do reator
de Angra 1. Hoje, eles lá tem 21 e nós ainda não terminamos o terceiro.
O Brasil ficou para trás?
O Brasil tinha uma política de geração de energia com forte base nas
hidrelétricas, que acabou sendo impactada pela falta de reservatórios,
com a construção das usinas de fio d’água. Houve uma indefinição sobre
qual seria o tamanho do programa nuclear brasileiro nas décadas
passadas, e não se fez os investimentos necessários. Hoje, a INB importa
os materiais para a construção de Angra 3.
Quais serão as prioridades na INB?
É preciso definir, e isso é uma discussão que tem que ser retomada com
todo o setor e todos os níveis do governo, o quanto de energia nuclear
vai compor a matriz energética brasileira (atualmente, a parcela é de
2,7%). Um ponto fundamental no programa nuclear brasileiro é aumentar a
produção do minério de urânio. A extração não está sendo feita na
dimensão que precisa. O Brasil tem reservas de 309 mil toneladas de
pasta de urânio (chamada de yellow cake, “bolo amarelo”, é um processado
do minério que precisa ser transformado em gás para a separação dos
isótopos mais “valiosos” energeticamente, depois reconvertida em
pastilhas, usadas então como combustível nas usinas nucleares).
E o nível de consumo atual?
Angra 1 e Angra 2 consomem hoje o equivalente a cerca de 400 toneladas
por ano, que é a capacidade máxima da Mina de Caetité, que tem reservas
de 94 mil toneladas. É preciso ampliar Caetité para 800 toneladas por
ano e, ainda, começar a exploração da nova mina (de Santa Quitéria, no
Ceará), que tem mais 91 mil toneladas estimadas em reservas, e
adicionaria 400 toneladas por ano.
O país precisa evoluir mais no processamento do urânio?
O acordo com a Alemanha, na década de 1970, previa uma transferência de
tecnologia que nunca se efetivou. A tecnologia de enriquecimento só nove
países dominam. É coisa que não se vende nem se transfere. E dos nove
que detêm a técnica de beneficiamento, apenas três possuem reservas do
minério e usam efetivamente a energia nuclear: Brasil, Estados Unidos e
Rússia. O Brasil precisa ainda ampliar as instalações para as etapas
intermediárias do processamento, da transformação da pasta de urânio nas
pastilhas de combustível. Mesmo assim, o país conseguiu construir seu
programa nuclear, sem alarde, diferentemente do Irã, por exemplo.
Mas isso porque sinalizou o uso pacífico desde o início.
Exato. Esse uso pacífico virou até artigo na Constituição de 1988. E o
Brasil também foi rápido em assinar o Tratado de Não-Proliferação de
Armas Nucleares.
Além da eletricidade, que aplicações práticas da energia nuclear têm se destacado?
Uma das principais é a produção dos chamados radioisótopos, que hoje em
dia são fundamentais para cerca de 750 mil exames e procedimentos
médicos por ano. Antes, para identificar um problema coronariano, por
exemplo, a pessoa era submetida de imediato a um cateterismo, que é
invasivo. Hoje, com os radioisótopos, é possível verificar se há ou não
necessidade do cateterismo. Também são usados no tratamento de câncer.
Antes, era uma fonte de cobalto, que afetava outras áreas do corpo além
da que se localizava o tumor. Os radiosótopos minimizam os danos aos
tecidos saudáveis dos pacientes.
Ainda assim, o público continua a associar energia nuclear a bombas atômicas e acidentes em usinas.
O lançamento das bombas de Nagasaki e Hiroshima, na Segunda Guerra
Mundial, se “colou” à imagem da energia nuclear. Mas, atualmente, cerca
de 16% de toda a eletricidade gerada no planeta tem fonte nuclear. É a
eletricidade usada por mais ou menos um bilhão de pessoas. É a única
forma de geração de energia que não emite gases estufa. Houve três
acidentes em usinas em toda história da energia nuclear: Three Mile
Island (EUA, 1979), Chernobyl (Rússia, 1986) e Fukushima (Japão, 2011).
Os benefícios, a meu ver, são claramente superiores aos riscos. Mas o
acidente de Fukushima, em 2011, decretou uma espécie de moratória na
discussão dos projetos. Nomes importantes do movimento ambiental, como
Patrick Moore (fundador do Greenpeace) e James Lovelock (do Gaia Theory)
vinham revisando seus conceitos sobre a energia nuclear, mas aquelas
imagens chocantes reapareceram.
E quanto ao lixo radioativo?
O depósito desses rejeitos requer uma preocupação especial, sem dúvida.
Os ambientalistas têm se posicionado sobre o significado de um legado
desses para gerações futuras. E têm que se posicionar mesmo. Não só
quanto a essas mas quanto a outras questões. Mas existem soluções
técnicas. O físico Carlo Rubia, vencedor do prêmio Nobel, propôs um
processo que reduz o tempo de atividade deste material de milhares de
anos para 200 anos. Nomes importantes do movimento
Mesmo assim, são 200 anos…
Ainda parece muito, e é, mas trata-se de um prazo mais manejável, em uma perspectiva de longo prazo.
Fonte: O Globo
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